No dia 20 de setembro de 2025, a Prefeitura de Feira de Santana, segunda maior cidade da Bahia, protagonizou um grave episódio de violação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) ao divulgar no Diário Oficial do Município uma lista com os nomes de mais de 600 pessoas vivendo com HIV, além de pacientes com fibromialgia e anemia falciforme. O ato foi justificado como parte de um decreto que suspendia o benefício de passe livre no transporte coletivo urbano. Poucas horas após a publicação, o documento foi retirado do ar, mas o dano já estava feito, pois trata-se de um exemplo claro de exposição de dados sensíveis.
De acordo com a LGPD (Lei nº 13.709/2018), dados relativos à saúde, orientação sexual, convicções religiosas e outros dados íntimos são considerados dados sensíveis, demandando tratamento especial, com maior rigor e cuidado. A lei estabelece que esses dados não podem ser tratados de forma indiscriminada, muito menos expostos publicamente, salvo em situações com consentimento explícito do titular ou por obrigação legal devidamente fundamentada, o que não foi o caso.
A divulgação dos nomes dos pacientes vivendo com HIV não apenas constitui uma violação legal, mas também exacerba o estigma e a discriminação enfrentados por essas pessoas. A exposição pública pode gerar sérios danos morais, psicológicos e sociais, afetando diretamente o direito à privacidade, à dignidade e à integridade pessoal.
A LGPD tem como um de seus princípios fundamentais a proteção da privacidade e dos direitos fundamentais dos cidadãos. Nesse caso, a Prefeitura de Feira de Santana falhou duplamente: ao tratar os dados de forma inadequada e ao expô-los de maneira pública e ostensiva.
É justamente nesse ponto que a anonimização se apresenta como uma ferramenta essencial. A LGPD define a anonimização como o uso de meios técnicos para que o dado perca a possibilidade de associação a um indivíduo, direta ou indiretamente. Se, em vez de divulgar informações que permitissem a identificação dos pacientes, a Prefeitura tivesse adotado técnicas de anonimização (como remoção de nomes, documentos pessoais, endereços ou qualquer outro identificador), seria possível inclusive apresentar relatórios estatísticos sobre o número de casos de HIV no município sem violar direitos fundamentais.
Portanto, o caso evidencia a importância prática da anonimização como mecanismo de conformidade com a LGPD: ela permite que a sociedade tenha acesso a informações relevantes para políticas públicas e pesquisas, mas sem expor a identidade de indivíduos, garantindo o equilíbrio entre interesse público e direito à privacidade.
É válido lembrar que a LGPD também se aplica à administração pública. O poder público é responsável por assegurar que os dados coletados de cidadãos sejam tratados com respeito à legislação vigente. Ainda que a suspensão de benefícios possa demandar revisão de cadastros, a publicação nominal dos beneficiários, especialmente com informações sensíveis como o diagnóstico de HIV, é uma medida desproporcional, ilegal e antiética.
A exposição, neste caso, não apenas fere a LGPD, mas também pode ser enquadrada como violação de direitos humanos, uma vez que agride a dignidade e o direito à confidencialidade das pessoas atingidas.
Diante desse cenário, os indivíduos afetados podem ingressar com ações judiciais por danos morais, considerando o impacto negativo que essa exposição pode causar em suas vidas.






